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terça-feira, 2 de novembro de 2010

breve #22

"Haja hoje para tanto ontem". É a sabedoria das ruas, pichada em um muro na Consolação, de frente à magnitude da avenida Paulista. Haja presente para tanto passado, por favor.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Apanhado

Vou escrever um diário endereçado ao futuro. Ele será a máquina do tempo que me ligará à posterioridade. Vou escrevê-lo para os meus netos, bisnetos. Sem desenho na capa, sem pauta, largarei a minha alma em palavras e rabiscos.

~*~

Desesperar-me um pouco diante da solidão não me faz mais fraca que ninguém, me faz humana do jeito mais livre que posso ser.

~*~

O corredor era longo demais para percorrer sozinho. Tinha saudades daquele tempo em que, sentar ali e rir, era um descanso pr'alma. Hoje está todo mundo ocupado demais para isso. Ela se sentiu sozinha diante daquelas paredes cinzentas.

~*~

Sinto ciúmes de seu passado, presente e futuro. Sinto ciúmes de todos os seus tempos verbais e de todas as suas flexões do verbo amar. Quem me dera que todas elas fossem para mim.

~*~

Pensar que o amor é a única coisa realmente boa que o ser humano tem a dar ao mundo faz com que eu me sinta egoísta por querer ser a única e querer ter um único.

~*~

Quero um desenho cheio de marcas, palavras, desenhos. Quero um caderno que ninguém possam ler a não ser eu. Quero tornar palpável a minh'alma em palavras.

~*~

Sardas são pontos de personalidade marcados em pele

~*~

Este mundo é carnal demais pra mim. Sou imaterial demais, sou pura incerteza. Talvez, de fato, eu não pertença a este mundo, eu não pertença a nada. Sinto-me só em minha diferença.

~*~

Quem me dera morrer de mojito. Mergulhar-me em rum, hortelã e soda. Sentir-me quente e fresca por dentro, naquela pista de dança vazia. Quem me dera poder ler a sua mente.

~*~

Sometimes I get nervous, when I see an open dor. Are we human or are we dancer?

~*~

Na ponta da pena estremece os corações dos tolos.

~*~

Receber elogios pecualiares era a sua especialidade. O primeiro foi de um professor de História da Arte, dissera que seu rosto parecia o de uma pintura renascentista. Depois, o dono de um sebo exclamou que seu rosto parecia ter saído de um quadro de Da Vinci. Por fim, o gótico lhe dissera que seus traços tinha tons vitorianos. No ônibus, por estes dias, lembrou, então, que, quando criança, um médium dissera que o seu espírito era antigo demais. Talvez, ela realmente não pertencesse àquela época.

~*~

Não entendia um mundo em que aquela mesma pessoa que se lamentava por passar o dia dos Namorados sozinha, nos outros dias do ano orgulhava-se do número de corações em que pisou.

terça-feira, 18 de maio de 2010

olhos de ressaca


Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.

Dom Casmurro - Machado de Assis

Não sei se tenho feições muiito peculiares, mas ouço os elogios mais inusitados. E gosto deles. O mais comum é dizerem que pareço uma pintura renascentista ou uma mulher vitoriana. Segundo uma amiga, é tudo culpa das bochechas salientes e da boca meio bicuda. A primeira vez que ouvi algo do tipo foi no meu segundo ano de colegial, de um professor de História. Depois a história se repetiu em um sebo da Augusta, quando o vendedor disse que eu parecia uma pintura do Da Vinci. Porém, o elogio que guardo com mais carinho é o de um amigo, que disse que tenho olhos de ressaca, assim como os da Capitu. Não acredito, acho os meus castanhos tão sem vida, mas gosto de pensar que posso ser tempestuosa e tragante, tanto quanto a moça que enfeitiçou Bentinho. Tá bom que não sou a maior fã de Machado de Assis, mas guardo boas lembranças deste quote que já esteve no meu falecido fotolog.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

...

Ás vezes, quando a noite cai, a cabeça enche. É muito passado, é muito presente, é muito futuro para se pensar. A vontade de largar tudo lhe sobe a garganta, junto com aquele nó que não desata nunca. E os olhos molham mornamente, junto com a ardência salgada típica. Por trás do riso solto, vivia a melancolia. Sentia saudades de tantas coisas, que as vezes esquecia das quais. Ansiava a volta daquele conversa entre amigas, daquelas ligações no meio da tarde, daquele amigo cibernético, daqueles tempos madrugais. Por isso, ligou o rádio e foi deitar-se. Aquele era seu refúgio: os lençóis amassados pela noite anterior e a voz doce que saía das caixas de som. Seu maior problema foi crescer.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Mãos

A mão dela encontra a minha e, de imediato, estou sendo guiado. Estamos penetrando a multidão que tomba e troveja, e nossos braços são como a ponte mais frágil, sustentada por nossas mãos. Eu penso, Se ela soltar, está tudo acabado. Se eu soltar, está tudo acabado. E como ela está segurando com muita força, eu seguro bem forte também. Sou jogado para todo lado – sei que amanhã terei hematomas -, mas de algum modo este aperto de mãos está imune. De alguma forma, ficamos juntos. Somos abençoados e estamos Juntos, e o pareamento é um trunfo sobre a solidão, a dúvida e o medo. Estamos passando por isso. Obrigado, Música. Vão se ferrar, lembranças. Obrigado, presente.

Trecho do livro Nick and Norah's Infinite Playlist

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

breve #10

Intimidade são mãos que se fundem, sem precisar de razões ou justificativas...

E. G.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Patati, patacolá

Patas sabem andar, mas não como gente. Sabem voar, mas não como pássaros. Sabem nadar, mas não como peixes. Patas sabem fazer tudo, mas não são especializadas em nada. Servem de abrigo para os filhotes e alegram as crianças com o seu jeito desengonçado. Eu sou uma pata. Não sou notória/impressionante/graciosa em nada. Ando pelo mundo a passos incertos e sempre assustadiça. Conquisto os meus pela minha espontâneidade de rir dos meus próprios problemas e pelo meu jeito atrapalhado de levar a vida. Se você não gosta de patos, não sei o que está fazendo aqui.

Quack.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A brilhante forma de viver

- Papa era... muito parecido comigo? Na aparência, quero dizer - perguntei a tia Clare. Eu sabia a resposta, claro que sabia, mas precisava muito escutar isso de outra pessoa que não fosse Mama.
- Ah, você se parece muito com ele - disse tia Clare - Esse nariz comprido maravilhoso e essas sardas delicadas! Eu soube na mesma hora, no exato momento em que coloquei os olhos em você, se lembra?
- Você o achava bonito? - perguntou-lhe Charlotte.
Tia Clare fez uma pausa antes de responder.
- Não diria que ele tinha uma beleza comum - admitiu ela - Ele era raro demais para isso, uma aparência pouco comum com aquele colorido estranho e aqueles cílios longos. Puxa, Charlotte - continuou ela, sendo ela mesma de novo -, quem se apaixona por alguém bonito? Os bonitos são muito chatos.
[...]
- Você quer dizer que ele era engraçado? Mama costuma dizer que nunca conseguia ficar séria por mais que cinco minutos quando Papa estava vivo. Ela diz que ele a fazia rir mais do que qualquer outra pessoa no mundo.
- Ele gostava das palavras... da forma como podia distorcer seus significados para me fazer rir. Ele tinha uma leveza. É a única palavra que consigo encontrar para descrever. Você também tem isso.
- Como assim?
Tia Clare estendeu a mão em direção ao meu brandy.
- Ele me surpreendia por saber viver tão bem, que é o maior dom que alguém pode ter. Em talento para a vida.
- Quer dizer que ele parecia muito feliz?
- Não apenas feliz - disse tia Clare - Nada tão direto assim.
- O que quer dizer então?
- Ele se sentia à vontade consigo mesmo, ele estava em casa em sua própria pele. Lembro-me de ver a garçonete se animar quando ele perguntou onde ela tinha comprado seus sapatos.
- Então ele era charmoso?
- Mais que isso, também. Não era o fato de ele ser bonito, mas de ele fazer as pessoas se sentirem como se estivessem no lugar certo, na hora certa, quando estavam com ele. Mas acho que ele não tinha consciência disso. Era instintivo, sua brilhante forma de viver.

Trecho do livro A Arte Perdida de Guardar Segredos


terça-feira, 29 de setembro de 2009

caderneta

Meu bloco de notas é meu melhor amigo e a caneta é a nossa língua própria. Através da tinta azul conversamos sobre o que é a vida, o universo e tudo mais.
Meu bloco de notas é o meu tanque de pensamentos onde derramo a minha alma. Se fervo por dentro, a caneta é o apito da panela de pressão. E tenho uma cidade inteira fervendo dentro de mim. Uma cidade em pleno verão, sem chuva, sem água.
No meu bloco de notas encontro a brisa de outuno que vem afastar o ar abafado. Nele, me despedaço e deixo as folhas secas da tristeza descansarem em paz.
Nessas folhas eu escrevo em lapsos tão intensos que chego confundi-los com espirros. Algo que sai com uma fúria incontrolável, não esperando permissão.
E é no meu bloco de notas que o meu coração de escancara. Nele eu não crio personagens, mas crio eu mesma pois não sei quem sou. Talvez um dia eu encontre a resposta, dentro do meu bloco de notas (ou não).

nuca


Os homens que sentavam perto dela no metrô se gabavam por ter-lhe arrepiado a nuca. Mal sabiam que era efeito do corte de cabelo.
Não sou autobiográfica, me escancaro em palavras sem medo. Com medo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

saboreando palavras

Degusto palavras como uma criança se empanturra de calda de chocolate.
Me embriago delas como um homem em seus dias de bucólica solidão.
Porque a palavra é um vício do qual eu necessito.

saboreio

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ode à ansiedade

chega uma hora que você tem que se desligar. do mundo, de alguém, de algo. a minha hora chegou e já passou, pensei que tinha me desligado, mas ainda me sinto atada. sinto-me presa a dois cavalos e um caminha para direção oposta do outro. sinto-me sufocada por algo que vem de dentro de mim. gostaria de me livrar desse sentimento, mas ao mesmo tempo em que ele faz mal, ele vicia, enfeitiça e me dá aquela falsa sensação de prazer. só queria estar leve... novamente.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Saboreando palavras (parte II)

Adoro neologismos. E eu descobri isso hoje vindo para o trabalho. Sempre achei de uma finesa absurda aquelas pessoas que conseguem dar novos sentidos a palavras mundanas, tornar as sérias, engraçadas e as feias, em bonitas.

Neologistas são quase alquimistas. Transformar palavras é um dom e eu adoraria tê-lo, não sei. Para mim, é a forma mais simples de se fazer poesia ou de passar uma idéia. Imagine, pegar uma palavra e simplesmente reciclá-la para atender o que você precisa. E o mais engraçado é quando esses neologismos são tão disseminados que acabam sendo enraizados em nossa cultura, aí ele perde a sua configuração inicial e se torna uma nova palavra mundana.

E a verbalização? Ah, como é divertido tranformar adjetivos ou advérbios em verbos. Quando eu era mais nova e tinha um flog super conceitual (eca), eu postei algo como:

Eu supimpo
Tu supimpas
Ele supimpa
Nós supimpamos
Vós supimpais
Eles supimpam

Me senti a verdadeira poeta!
Tsc, como eu gostaria de saber neologizar...