quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A brilhante forma de viver

- Papa era... muito parecido comigo? Na aparência, quero dizer - perguntei a tia Clare. Eu sabia a resposta, claro que sabia, mas precisava muito escutar isso de outra pessoa que não fosse Mama.
- Ah, você se parece muito com ele - disse tia Clare - Esse nariz comprido maravilhoso e essas sardas delicadas! Eu soube na mesma hora, no exato momento em que coloquei os olhos em você, se lembra?
- Você o achava bonito? - perguntou-lhe Charlotte.
Tia Clare fez uma pausa antes de responder.
- Não diria que ele tinha uma beleza comum - admitiu ela - Ele era raro demais para isso, uma aparência pouco comum com aquele colorido estranho e aqueles cílios longos. Puxa, Charlotte - continuou ela, sendo ela mesma de novo -, quem se apaixona por alguém bonito? Os bonitos são muito chatos.
[...]
- Você quer dizer que ele era engraçado? Mama costuma dizer que nunca conseguia ficar séria por mais que cinco minutos quando Papa estava vivo. Ela diz que ele a fazia rir mais do que qualquer outra pessoa no mundo.
- Ele gostava das palavras... da forma como podia distorcer seus significados para me fazer rir. Ele tinha uma leveza. É a única palavra que consigo encontrar para descrever. Você também tem isso.
- Como assim?
Tia Clare estendeu a mão em direção ao meu brandy.
- Ele me surpreendia por saber viver tão bem, que é o maior dom que alguém pode ter. Em talento para a vida.
- Quer dizer que ele parecia muito feliz?
- Não apenas feliz - disse tia Clare - Nada tão direto assim.
- O que quer dizer então?
- Ele se sentia à vontade consigo mesmo, ele estava em casa em sua própria pele. Lembro-me de ver a garçonete se animar quando ele perguntou onde ela tinha comprado seus sapatos.
- Então ele era charmoso?
- Mais que isso, também. Não era o fato de ele ser bonito, mas de ele fazer as pessoas se sentirem como se estivessem no lugar certo, na hora certa, quando estavam com ele. Mas acho que ele não tinha consciência disso. Era instintivo, sua brilhante forma de viver.

Trecho do livro A Arte Perdida de Guardar Segredos


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