terça-feira, 22 de setembro de 2009

pobre menina (não) solitária

Desde que ganhara seu próprio quarto, ele se transformou em seu mundo. Ele sintetizava o útero protetor de sua mãe, o depósito de seus sonhos e o acalento dos dias cansativos. E ali que ela havia baixado a sua guarda, esparramada, desarrumada, descabelada, mas feliz. Não se importava se suas roupas sempre muito impecáveis estivessem um caos, ela estava feliz por poder contemplar o gozo de estar sozinha, isolada do mundo, de todos, dos mals e, principalmente, dos bons.

Ela não temia seus inimigos, mas as pessoas que tinham o poder de fazê-la se sentir mais viva, que lhe estediam a mão quando o que ela mais precisava era de um afago e um copo d'água. Por isso preferia viver sozinha, ela sabia que, por ora, conseguia enfrentar seus problemas sem que precisasse de muito, mas se todas essas boas pessoas se aproximassem, como seria? Contar com elas e então perdê-las em um passe de mágica? Talvez fosse sindrome do super-herói, mas a mulher acreditava que sozinha, pelo menos, não corria o risco de um dia se sentir solitária, porque ela já o era.

Assim, ela tirou os sapatos, fechou o livro que acabara de devorar e colocou sua música favorita no rádio.

Xavia, who will save us?
Your smile's on fire
And still my heart
Won't let you down, the sound

Ali, parada no meio de seu ninho, ela balançava de um lado pro outro. Olhos fechados, braços relaxados, pés que se mexiam harmoniosamente. Nenhum passo de dança pronto, nenhum estilo definido, a música a levava para um transe próprio, onde a sola de seus pés ignorava totalmente o chão frio de azulejo.

Merda, a mulher pensou. Ao som da música, ela não conseguia parar de recapitular as risadas, os choros engasgados, as conversas que andavam povoando os seus dias. Era a vida de adulto, trabalho e estudos, mas aquelas pessoas... ah, por que raios ela foi conhecer aquelas pessoas? Intrometidas, se metiam nos seus problemas quando ela só queria era ficar consigo mesma, perdida em sua solidão, ela os odiava. Mas, então, por que eles a faziam se sentir tão mais leve? Por que as risadas eram verdadeiras e as brigas tão ferrenhas?

Ela apertou com raiva a tecla forward do rádio. Como se ele tivesse culpa de ela ter feito amigos. Pobre aparelho.

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